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Foto do escritorConatus - ética da vida

orfanato


(Foto: Eraldo Peres/AP) Performance de abertura do 1° Encontro Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil


Certo dia, sentada em minha cadeira, tomando um café doce, e amargando meus pulmões com um cigarro na mão, fiquei a espreitar em meus pensamentos o que se tratava essa palavra, ou melhor, de quem se tratava essa palavra, continuei a costurá-la e a construir um ensaio de tal devaneio, posso assim dizer.

O que estava a buscar era um certo conforto em sua pronúncia, em seu toque, em seu tom. Mas na realidade era algo para nomear-me, afinal já havia sido uma ou ainda sou uma; não sei bem, as vezes me sinto sozinha e abandonada, alguém me disse que seria um pós-traumático de um incidente trágico.

Ainda sim sinto o anseio em mim para desbravar tal palavra, em busca de um tal ouro, pois também me disseram que tudo tem seu lado bom e coisas preciosas podem ser tiradas, retiradas ou até mesmo extraídas de tudo que é bruto.

Como assim, ainda sou uma rocha, como pode? Cadê meu ouro?

A brutalidade já passou por mim, já esteve em meu corpo, e ainda sim não há um só brilho para que possa espiar tal transformação, ainda sou ferro bruto, uma lata, uma máquina programada para nunca brilhar.

Mas a palavra, ah! Essa palavra, que tanto foi dita e construída por todo o canto do mundo, se espalhando como “as boas novas”; agora seria a era do cuidar ou higienizar, tudo dependia da política, mas não se enganem, não era qualquer política, era a politica do tal Senhor Divino.

Pelo que sei o chamado sempre vinha dele, todos que conheci através dessa palavra, diziam e repetiam, que era a missão do Senhor, uma iluminação, tudo era tão divino.

Me lembro mesmo, de sempre ver as imagens do divino, lá, lá, lá naquele quarto, trancada, faminta e com sede, me disseram, quando diziam algo, que era o tal do castigo, ou sacrificio para atender as vontades do Senhor, também diziam que assim me purificaria, ele, o senhor, não gostava de quem fazia xixi na cama, não era bem visto.

Devo acreditar agora que estavam certos, teria que estar limpa para ele, o Senhor; talvez por isso tenha ficado por várias vezes, com o xixi secando em meu corpo, enquanto me purificava, eu era suja, o Senhor e mais tantos que me assistiam, deveriam ver, o que acontece com uma menina suja, eu precisava ser perdoada e assim talvez, pudesse trocar minhas roupas molhadas.

Tudo aquilo me diziam, era para eu melhorar, penso que seria o caminho do ouro, esse ouro que tanto busco, mas nunca o encontrei, não em mim. Eu precisava sempre voltar para lá, aquele quarto, com o divino, com as janelas com grades e porta trancada, como uma lição nunca aprendida, o xixi, quando dormindo sempre me escapava.

Suponho que essa palavra me traga, mais que seus significados, talvez ela possa me trazer seus planos, seus traços, suas memórias e marcas, minhas memórias e marcas.

Pois bem, tudo isso, me parece, que tinha a ver com um mau caminho do corpo, meu corpo, assim diziam; e tal corpo iria precisar ser imobilizado em sacos de arroz para dormir, esse corpo, esse mesmo, não outro corpo; esse corpo também traria em suas mãos, marcas avermelhadas feitas pela tal da palmatória, teria também de ser zombado, desacreditado, maltratado e enfim abatido.

E para eles, amigos do Senhor, esse seria o ideal de corpo comportado como o divino, sabe? O Senhor do chamado aprovava, pois por vezes vi eles se ajoelharem pedindo o melhor caminho a seguir, pediam orientação do que fazer, sim, chamavam-no de Deus, e esse quando falava, o corpo, não esse que pedia incansavelmente pela orientação divina, o outro corpo, meu corpo, sentiria e ouviria a resposta vindas pela luz que iluminava, como uma ideia tão adequad


a quanto necessária.

Esse corpo ao ouvir, diziam, que tinha que ser alto e mais alto, alto, alto e quando não ouvia precisaria sentir com força e força, força, força.

Ufa! Quantos significados.

O corpo estendido no chão, era o final do ritual divino, mas acabei por nunca aprender, sempre me levantava, creio hoje que não entendi o Senhor; sabe? Não o escutava, certa vez ouvi, e isso eu ouvi, que não era pura, esse corpo era sujo, percebi depois de algum tempo, que realmente a pele do meu corpo era quase uma lama em meio à toda aquela neve!


Por Bya Faria


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