O QUE FAZEMOS
No desenvolvimento de nosso trabalho apresentamos 2 programas que se entrelaçam: Justiça Restaurativa, uma Filosofia Prática e Cuidar de si na presença do outro: uma estratégia política, ambos indicando novos caminhos para o pensamento que favoreçam outras possibilidades de existência frente ao modelo técnico-científico que nos determina e deixa marcas em nossos modos de existir.
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Justiça Restaurativa, uma Filosofia Prática.
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"o direito natural da natureza inteira e, consequentemente,
de cada indivíduo, se estende até onde vai sua potência e, portanto, tudo
o que um homem faz segundo as leis de sua própria natureza, ele o
faz em virtude de um direito soberano da natureza, e ele tem tanto direito sobre a
natureza quanto tem de potência"
Espinosa, Tratado Político, cap. II, parágrafos 3 e 4)
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A Justiça Restaurativa tem sido praticada em países como Canadá, EUA e Nova Zelândia desde os anos 70 e 80. Chegou ao Brasil na década de 90 e hoje está cada vez mais presente nas comunidades, escolas, coletivos e até mesmo no sistema judiciário. Em linhas gerais é apresentada como um processo colaborativo voltado para transformação de conflitos, que envolve a participação de ofensores e vítimas e suas comunidades de apoio, quando pertinente. Contudo, seus fundamentos e princípios vão muito além disso.
​Propõe um novo paradigma ético que sustenta a construção do justo pautada nas necessidades humanas, ou seja, na "verdade" mais genuína e honesta que constitui cada sujeito. Mas sendo sujeito a tudo o que está a sua volta, incorpora verdades pautadas em crenças ilusórias que sustentam verdades de época e são assim, marcas constituintes de sua subjetividade.
A Filosofia Prática tem a ver com a ética da vida e a ética da vida tem a ver com tudo o que vive e luta para existir, não só como um corpo finito, mas como um ser.
Com esse pano de fundo, praticar a filosofia é cotidianamente tentar perceber de que maneira atuo em favor do existir, neste mundo, neste tempo.
A Justiça Restaurativa é antes de tudo um exercício filosófico que busca refletir tais crenças, mais do que uma metodologia prática, marcada por arranjos técnicos ou manejos, traz consigo a ampliação do conhecimento sobre si e sobre os outros, sobre as dores e sofrimentos promovidos pelo encontro e seus afetos desdobrados.
Propõe a construção do justo pela ética da vida e aliada à Filosofia Prática trabalha na construção do justo tendo como base o respeito de que toda natureza é. Poder existir na presença do outro, sabendo que sempre nos afetamos no encontro. Poder cuidar dos efeitos dos nossos afetos é o que de mais justo podemos construir na experiência humana.
Cuidar de si na presença do outro: uma estratégia política.
“Ocupar-se consigo não é pois,
uma simples preparação momentânea para a vida;
é uma forma de vida”.
Foucault, Hermenêutica do Sujeito.
Dedicamos à nós mesmos aquilo que desejamos aos outros? Perdemos a presença diante do adestramento dos corpos, da captura do desejo produzindo uma vida posta à ter um emprego produtor de capital. Como a partir dos nossos corpos, podemos reivindicar o direito ao gozo, ao prazer?
Tomamos emprestadas as reflexões do filósofo sul coreano Byung-Chul Han sobre a “sociedade do cansaço” em que traz como característica atual do capitalismo não ser mais necessário um opressor externo, já que constrói dentro de cada um de nós o nosso próprio tirano que nos exige cada vez mais.
O filósofo estabelece uma linha de reflexão crítica próxima às de Foucault e Deleuze das quais se destaca a fabricação de uma subjetividade capturada e marcada pelo desejo neurótico da falta.
Em nossa prática cotidiana temos assistido pessoas, enfrentando pesadas rotinas, desenvolvendo doenças, lidando com a sensação constante de estarem prestes a falhar, dedicando menos tempo àquilo que lhes é prazeroso: tempo de convívio com seus familiares, parceiros e amigos, passeios, poesia, raios de sol ou banho de mar, pessoas cuja alegria foi subtraída, reduzida à uma espécie de paranoia produtiva.
No trabalho voltado aos modos de construção do justo nos parece que o conceito do cuidar de si é mais atual do que nunca e neste sentido resistir, encontrar contornos e aprender a dizer “não”, relaciona-se com a capacidade de ser sujeito ativo, que podendo reconhecer-se parte de um sistema político, social e econômico, sinta-se capaz de transforma-se, transformando-o.
Como compor um modo de vida potente? A potência de promover encontros, de afetar e sermos afetadas de inúmeras maneiras é o que mais desejamos (Conatus).
Neste programa propomos uma série de ações que podem nos levar a aprender outros modos de ouvir, falar, pensar, sentir e fazer… buscar o que se compõe com a nossa natureza e nos torna potentes.