O que fazemos
Tomamos como desafio o envolvimento em dois planos que se entrecruzam em diversas ações: Filosofia Prática, Justiça Cotidiana; e, Cuidar de si na presença do outro: uma estratégia política. Ambos tomam o exercício filosófico que traz consigo a ampliação do conhecimento sobre si e sobre os outros num “pensar as coisas por entre as coisas”, como um convite à invenção de um modo de vida ético, que confronte os valores de uma mentalidade hegemônica, racista, patriarcal, neoliberal, e segue. Assumindo o compromisso em reconhecer a importância da reparação dos danos materiais e simbólicos desse sistema que se manifesta em nosso território existencial/afetivo.
Filosofia Prática, Justiça Cotidiana
Sensíveis à urgência em repensar os modos predatórios de habitar a Terra e imaginar outros mundos possíveis, passamos a nos perguntar o tempo todo para que servem as coisas em nossas vidas e não sem demora, o que é justo?
Encontramos no campo teórico/prático da Justiça Restaurativa um terreno para investigação dos modos de construção do justo, onde as aspirações anti-punitivista e as inspirações ancestrais, compõe-se em linhas gerais como um processo colaborativo voltado para a transformação de conflitos, que envolve a participação de ofensores e vítimas e suas comunidades de apoio. Praticada em países como Canadá, EUA e Nova Zelândia desde os anos 70 e 80, chegou ao Brasil na década de 90 e hoje está cada vez mais presente nas comunidades, escolas, coletivos, meios corporativos, em interface com as políticas públicas e até mesmo no sistema judiciário.
Seus fundamentos e princípios vão muito além de uma metodologia prática, marcada por arranjos técnicos, e propõe um novo paradigma ético investindo no pensamento crítico e criativo, na multiplicação dos pontos de vistas e na descentralização do conhecimento, promovendo ações com foco na afirmação da diferença, refletindo sobre as dores e sofrimentos promovidas pelo conflito em suas diferentes dimensões e também seus afetos desdobrados.
Cuidar de si na presença do outro: uma estratégia política.
“Ocupar-se consigo não é pois,
uma simples preparação momentânea para a vida;
é uma forma de vida”.
Foucault, Hermenêutica do Sujeito.
O pessoal é político. Essa máxima nos orienta nas reflexões sobre o cuidado, como ele permeia as relações e sobre a importância de nos vermos como pessoas que praticam para si aquilo que desejam aos outros.
Em nossa prática cotidiana temos assistido pessoas, enfrentando pesadas rotinas, desenvolvendo doenças, lidando com a sensação constante de estarem prestes a falhar, dedicando menor atenção àquilo que lhes é prazeroso: tempo de convívio com seus familiares, parceiros e amigos, passeios, poesia, raios de sol ou banho de mar, pessoas cuja alegria foi subtraída, reduzida à uma espécie de paranoia produtiva.
Tomamos emprestadas as reflexões do filósofo sul coreano Byung-Chul Han sobre a sociedade do cansaço em que traz como característica atual do capitalismo não ser mais necessário um opressor externo, já que constrói dentro de cada um de nós o nosso próprio tirano que nos exige cada vez mais. Nos tempos atuais aprendemos que o indivíduo explora a si mesmo e a isso chama realização…
A importância da vida cotidiana na produção do cuidado entre pessoas e coisas está na percepção de múltiplas questões específicas que circulam o espaço da vida social nos conteúdos históricos que carregam. O dia-a-dia é uma dimensão da vida social singular-específica que delimita tempos, interações e espaços, ou seja, um modo de vida cuja a produção de cuidado exerce efeitos e repercussões na vida das pessoas como uma ‘experiência humana’. Assim, o cuidado consiste em um modo de agir que é produzido como experiência singular delineada por aspectos políticos, sociais, históricos e culturais que se traduzem em práticas de espaço de acolhimento e escuta e na ação de pessoas sobre si e sobre os outros, daí o cuidado em ato resulta como prática do cuidar revestindo-se de novos sentidos que imprimem o domínio próprio sobre um conjunto de conhecimentos voltados para o ‘outro’. O entre é o lugar do cuidado que se faz no encontro e na presença.
No trabalho voltado aos modos de construção do justo nos parece que o conceito de cuidar de si é mais atual do que nunca e neste sentido resistir, encontrar contornos e aprender a dizer “não”, relaciona-se com a capacidade de ser sujeito político, que podendo reconhecer-se parte de um sistema, sinta-se capaz de transforma-se, transformando-o.
Neste programa propomos uma série de ações que podem nos levar a aprender outros modos de escutar, falar, pensar, sentir e fazer… buscar o que se compõe com a nossa natureza e nos torna potentes.