PROCESSOS CIRCULARES
O círculo e seu o ponto central a partir do qual se irradia forças, são representações que estão por toda a parte. Planetas girando ao redor do Sol, elétrons girando ao redor de prótons, o miolo de uma flor, os ninhos de passarinhos. O vento em sua maior potência quer girar, a Terra em seu formato redondo, assim como todas as estrelas, e toda a sabedoria ancestral dos povos originários compreendem que o ‘poder do mundo’, da natureza, trabalha em círculos.
Dos círculos em torno do fogo às famílias reunidas em volta de uma mesa, a estratégia de se reunir em círculos para transformar conflitos, resolver problemas, apoiar uns aos outros e fortalecer vínculos tem sido considerada, reconstruída e resgatada.
Repensar nossas políticas de convivência é urgente, necessário, possível e os processos circulares podem colocar em ação este propósito pois buscam, diferentemente da lógica punitiva, reunir as pessoas envolvidas num conflito ou situação difícil, para dialogar e buscar atender às suas necessidades, bem como propor ações para a reparação dos danos simbólicos e materiais. Essa é uma forma de eventualmente ‘fazer justiça’ em que a comunidade atingida se reúne com vistas a pensar coletivamente em propostas de resolução implicadas em conhecer os motivos que levaram ao conflito, bem como uma oportunidade para explorar e compartilhar o que é profundamente significativo para cada um dos envolvidos.
Como acontece um Processo Circular?
As inspirações são ancestrais contudo, habitamos um tempo marcado pelo individualismo, pela insuficiência e pelo abuso, um complexo fenômeno de confluência de violências que se dão nas mais variadas formas, nos recortes de raça, classe e gênero e que nos faz reproduzir preconceitos e discriminações, fruto de uma mentalidade hegemônica colonial e de valores capitalisticos. O que significa dizer que sentar em roda, equidistantes do centro, com acesso visual para todos os outros, com vez e voz a cada um, num exercício de suportar a si mesmo em silêncio enquanto escuta alguém que fala em 1ª pessoa o que pensa e sente diante de suas experiências próprias é, antes de tudo, um ato de coragem! O diálogo é por sua natureza inconcluso, inacabado, contínuo, sem começo ou fim e se faz na afirmação da diferença, como ponto de partida, cada ser é único e se faz num repetitivo-singular num conjunto estrutural, ou seja, no cotidiano as coisas acontecem sempre. No encontro.
Um processo circular se instaura intencionalmente como a criação de um espaço seguro em que aos poucos o protagonismo dos sujeitos envolvidos se desloca ao acontecimento (problema/conflito) e ao que é preciso fazer, como agir para reparar e como seguir em frente. É necessário que estejamos em círculo, com a composição de um centro que estabelece uma relação de apoio para o grupo e que tenha algum significado para as pessoas ali reunidas, além do uso de um ‘objeto da fala’. Este objeto circula para o lado, assegurando que todos poderão falar em posse do objeto, assim como escutar quando não se está com o objeto em suas mãos, podendo também manter-se em silêncio, passando o objeto no movimento circular.
O processo é dividido em etapas, investindo tempo em: conhecer-se, ou seja, construir vínculos entre os envolvidos a partir da contação de histórias pessoais; da partilha de experiências onde pensamentos e sentimentos possam ganhar expressão, facilitados por perguntas abertas; a abordagem do assunto (conflito) em questão e por fim um plano de ação construído coletivamente. Cada etapa do processo também pode ser aprofundada sem que necessariamente tenha um problema a ser resolvido. Em círculos de diálogo onde se busca inventar novas políticas de convivência, o fortalecimento do senso comunitário pode oferecer apoio às pessoas que atravessam dificuldades, celebrar as conquistas e realizações. Nesse sentido, as práticas circulares mostram-se como tecnologias de cuidado.
Em círculo conflitivos que envolvem a quebra da confiança, de uma regra, da ordem ou da lei; onde a há a presença da vítima e ofensor, bem como de outras pessoas afetadas direta ou indiretamente pelo acontecimento, os processos circulares concentram seus esforços em reconhecer o que aconteceu como início da responsabilização necessária à reparação dos danos.
Nas práticas da Justiça Restaurativa, os processos circulares são estratégias para romper com a lógica retributiva e punitiva do sistema de justiça tradicional, a qual toda ação violenta ou ofensiva necessita ser retribuída com uma punição que corresponda à intensidade da ação. Ancorados em princípios éticos que atuam em favor da vida, suas práticas têm sido vivenciadas em diferentes contextos como comunidades, bairros, escolas, trabalho, atendimentos com assistentes sociais e no sistema judiciário.
